sexta-feira, 23 de abril de 2010

O que gente criativa e com muito conhecimento musical faz por aí

O Mawaca é formado por músicos que se dedicam à pesquisa de música étnica. Encabeçado por Magda Pucci, o grupo transita pelos ritmos mais diversos - de música japonesa à nordestina, passando por música indígena e indiana. Seus integrantes tocam de tudo também: flauta transversal, cítara, oboé, todo tipo imaginável de percurssão e instrumento de sopro...
O show é uma delícia: colorido, alegre, diverso. É uma viagem e uma descoberta.
Abaixo, Kali, com dança da talentosa Zuzu Abu.
Recomendo.

Música para protestar

Final da década de 1960. De um lado, os Estados Unidos defendendo a ferro e fogo o sistema capitalista, do qual se tornaram os maiores beneficiários; do outro, a União Soviética, buscando difundir a todo custo o comunismo. Entre os dois, o resto do mundo...
Um dos mais cruéis embates dessa queda de braço desenrolou-se em solo asiático, depois que a antiga Indochina, liberta do domínio colonial francês em 1954, dividiu-se em dois estados: ao sul, estabeceu-se um Vietnã  aliado ao Ocidente; ao Norte, sob o comando do principal líder da independência, Ho Chi Minh, instituia-se um Vietnã de orientação comunista.

De acordo com o tratado assinado em Genebra por ocasião da Independência, em  1956, seriam realizadas eleições livres para unificar o país. Contudo, a perspectiva de uma vitória de Ho Chi Minh preocupava o governo estadunidense, que temia o avanço do comunismo na Ásia. Por isso, quando o governo ditatorial de Ngo Dhin Diem assumiu o controle do Vietnã do Sul e determinou a suspensão das eleições, os norte-americanos, mais do que depressa, lhe ofereceram apoio aberto.
A partir de então, o governo sul-vietnamita passou a perseguir sistematica e violentamente nacionalistas e comunistas. Estes reagiram e, em 1960, com apoio dos vietnamitas do norte, formaram uma frente de resistência, a Frente de Libertação Nacional, que impôs uma série de derrotas ao governo de Ngo Dhin Diem.
Incapaz de debelar as forças inimigas, o ditador pediu auxílio aos Estados Unidos. O apoio foi imediatamente enviado e não parou mais de crescer: no ano de 1960, desembarcaram em solo vietnamita 900 soldados norte-americanos. Nove anos depois, 540 mil homens deixavam a América para se juntar às tropas combatentes do outro lado do mundo!
Todavia, a desavergonhada inteferência dos Estados Unidos no Vietnã não trouxe vitória. Muito pelo contrário: as baixas norte-americanas cresciam dia após dia. Os integrantes da Frente, conhecidos como vietcongs, adotavam táticas de guerrilha. Embrenhados pela densa vegetação do Vietnã, misturados à população camponesa, confundiam e atordoavam os soldados ocidentais.
Corria o ano de 1969 e a guerra ainda se arrastava. Contavam-se já aos milhares os jovens cujas vidas haviam sido perdidas no combate, além de outros tantos feridos e mutilados. Muitos voltavam da guerra com serios danos psicológicos, completamente incapacitados.
Na mídia, a crescente divulgação das imagens horrendas da guerra - fotografias comoventes dos cadáveres despedaçados,  dos rostos quase pueris dos soldados norte-americanos contorcidos pela dor e pelo cansaço, das mulheres e crianças vietnamitas tragicamente queimadas pelas armas químicas usadas pelos Estados Unidos, - fez crescer o clamor da opinião pública pelo fim da guerra. Na ensolarada Califórnia nascia assim o embrião do movimento flower and power.
Foi nesse cenário que o rock norte-americano produziu algumas de suas canções mais fortes e engajadas. Neil Young, Creedence Clearwater, Bob Dylan, entre outros, fizeram coro pelo fim do conflito.
Foram anos de pressão e mobilização, cujo desfecho, em algumas ocasiões, foi trágico. Em Ohio, por exemplo, durante uma manifestação pacífica, quatro jovens universitários acabaram mortos pela polícia.
Finalmente, em 1975, os combates no Vietnã chegaram ao fim. Os vietcongs e o Vitenã do Norte tomaram o sul e unificaram o país. Da guerra, além dos mortos (cerca de 2 milhões),  restou a memória da barbárie, imortalizada em músicas inesquecíveis. Essa é Fortunate Son, do Creedence Clarwater.



Fortunate Son
Filho De Um Milionário

Some folks are born made to wave the flag,
Alguns nasceram para agitar a bandeira
ooh, they're red, white and blue.
Elas são vermelhas, brancas e azuis
And when the band plays "Hail To The Chief",
E quando a banda toca "Saudação ao Chefe"
oh, they point the cannon at you, Lord,
Eles apontam os canhões para você, Senhor
It ain't me, it ain't me,
Não sou eu, não sou eu
I ain't no senator's son,
Eu não sou filho do senador, não
It ain't me, it ain't me,
Não sou eu, não sou eu
I ain't no fortunate one, no,
Não sou nenhum felizardo, não
Some folks are born silver spoon in hand,
Alguns nasceram com colher de prata na mão
Lord, don't they help themselves, oh.
Senhor, eles não se ajudam
But when the taxman come to the door,
Mas quando o coletor de impostos chega na porta
Lord, the house look a like a rummage sale, yes,
Senhor, a casa parece como um bazar de caridade
It ain't me, it ain't me,
Não sou eu, não sou eu
I ain't no millionaire's son.
Eu não sou filho de um milionário, não
It ain't me, it ain't me,
Não sou eu, não sou eu
I ain't no fortunate one, no.
Eu não sou nenhum felizardo, não
Yeh, some folks inherit star spangled eyes,
Alguns herdam estrelas reluzentes
ooh, they send you down to war, Lord,
Eles mandam você para a guerra
And when you ask them, how much should we give,
E quando você pergunta a eles:
oh, they only answer, more, more, more, yoh,
"Quanto devemos dar?" Eles apenas respondem: "Mais! Mais! Mais!"
It ain't me, it ain't me,
Não sou eu, não sou eu
I ain't no military son,
Eu não sou filho do senador, não
It iain't me, it ain't me,
Não sou eu, não sou eu
I ain't no fortunate one,
Não sou nenhum filho de felizardo, não

It ain't me, it ain't me,
I ain't no fortunate one, no no no,
It ain't me, it ain't me,
I ain't no fortunate son, no no no,


A Guerra do Vietnã no cinema (em DVD):

Platoon (Oliver Stone num bom momento)
Nascido a 4 de Julho (duro)
Hamburguer Hill  (interpretação realista de uma das mais sangrentas batalhas da guerra)
Nascido para matar (de Stanley Kubrick, que dirigiu O Iluminado e Laranja Mecânica - sentiu a força?)
Hair (mundo bicho-grilo com música e dança - eu adoro)
Apocalypse Now (é Coppola. Não precisa dizer mais nada)
Bom Dia, Vietnã (tremenda trilha sonora)

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Progresso Americano (1872), de J. Gast

Para que os alunos dos Terceiros possam fazer a análise de imagem proposta na FH5, segue uma reprodução colorida do quadro de J. Gast.

A força dos antigos

Ninguém sabe ao certo se Homero existiu. E se existiu, também não é certo que tenha criado os dois poemas épicos que consagraram seu nome: Ilíada e Odisséia. Para muitos estudiosos, se Homero existiu de fato, provavelmente seu papel foi reunir e dar forma a diversas histórias muito antigas que por séculos eram cantadas pelos aedos em banquetes, onde se reuniam os guerreiros para rememorar seus grandes feitos e os atos de bravura de seus antepassados.  Afinal, era assim que a aristocracia grega legitimava seu domínio sobre o resto da população: ela descendia dos heróis do passado e era herdeira de suas virtudes, como força, coragem e espírito arguto. Compunha, por conseguinte, o grupo seleto dos aristoi - ou seja, "os melhores".
Seja como for, é difícil não se comover com a grandeza dos versos de Homero. Eles têm um poder impressionante de sacudir nossos sentidos e arrebatar a alma. Para ilustrar o que digo, dêem uma lidinha nos versos abaixo, que contam como o nobre Heitor perece sob a espada de Aquiles.

 A morte de Heitor

Assim dizendo, desembainhou a espada afiada,
que pendia sob o flanco, espada enorme e potente;
reunindo as suas forças, lançou-se como a águia de voo sublime,
que através das nuvens escuras se lença em direcção à planície
para arrebatar um terno cordeiro ou tímida lebre -
assim arremeteu Heitor, brandindo a espada afiada.

E Aquiles atiorou-se a ele, com o coração cheio de ira
selvagem, e cobriu o peito à frente com o escudo,
belo e variegado, agitando o elmo luzente
de quatro chifres. Belas se agitavam as crinas
douradas, que Hefesto pusera cerradas como penacho.
Como o astro que surge entre as outras estrelas no negrume da noite,
a estrela da tarde, que é o astro mais belo que está no céu -
assim reluziu a ponta da lança, que Aquiles apontou
na mão direita, preparando a desgraça para o divino Heitor,
olhando para a bela carne, para ver onde melhor seria penetrada.

Ora todo o corpo de Heitor estava revestido pelas brônzeas armas,
belas, que ele despira a Pátroclo depois de o matar.
mas aparecia, no sítio onde a clavícula se separa do pescoço
e dos ombros, a garganta, onde rapidíssimo é o fim da vida.
Foi aí que com a lança arremeteu furioso o divino Aquiles,
e aponta trespassou completamente o pescoço macio.
Mas a lança de freixo, pesada de bronze, não cortou a traqueia,
para que Heitor ainda pudesse proferir palavras em resposta.
Tombou na poeira. E sobre ele exultou o divino Aquiles:
"Heitor, porventura pensaste quando despojavas Pátroclo
que estariass a salvo e não pensaste em mim, que estava longe.
Tolo! Longe dele um auxiliador muito mais forte
nas côncavas naus ficara para trás: eu próprio, eu que agora
te deslassei os joelhos. Os cães e as aves de rapina irão
dilacerar-te vergonhosamente, mas a Pátroclo sepultarão os Aqueus."

Já quase sem forças lhe respondeu Heitor do elmo faiscante:
"Suplico-te pela tua alma, pelos teus joelhos e pelos teus pais,
que me não deixes ser devorados pelos cães nas naus dos Aqueus;
mas recebe o que for preciso de bronze e de ouro,
dons que te darão meu pai e minha excelsa mãe.
Mas restitui o meu cadáver a minha casa, para que do fogo
Troianos e mulheres dos Troianos me dêem, morto, a porção."
Fitando-o com sobrolho carregado lhe disse o veloz Aquiles:
"Não me supliques, ó cão, pelos meus joelhos ou meus pais.
Quem me dera que a força e o ânimo me sobreviessem
para te cortar a carne e comê-la crua, por aquilo que fizeste.
Pois homem não há que da tua cabeça afastará os cães,
nem que eles trouxessem e pesassem dez vezes ou vinte vezes
o resgate e me prometessem ainda mais do que isso!
Nem que o teu próprio peso em ouro me pagasse
Príamo Dardânio. Nem assim a tua excelsa mãe
te deporá num leito para chorar o filho que ela deu à luz,
mas cães e aves de rapina te devorarão todo completamente."

 Moribundo lhe disse então Heitor do elmo faiscante:
"Na verdade te conheço bem e direi o que será; mas convencer-te
era algo que não estava para ser. O coração no teu peito é de ferro.
Mas reflecte bem agora, para que eu para ti me não torne
maldição dos deuses, no dia em que Páris e Febo Apolo
te matarão, valente embora sejas, às Portas Esqueias."
Assim dizendo, cobriu-o o termo da morte.
E a alma voou-lhe do corpo para o Hades, lamentando
o seu destino, deixando para trás a virilidade e a juventude.
E para ele, já morto, assim disse o divino Aquiles:
"Morre.O destino eu aceitarei, quando Zeus quiser
que se cumpra e os outros deuses imortais."

Ilíada, canto XXII, v. 306-366 (trad. Frederico Lourenço)
extraído de http://epicentro.blogs.sapo.pt/arquivo/752506.html

terça-feira, 20 de abril de 2010

Para entender A Marcha

Alguns alunos têm se perdido na multidão de personagens que povoa o livro A Marcha. Muitos têm encontrado também dificuldade para compreender quem são os soldados da "União" (os ianques) e contra quem, afinal, lutam. Assim, ficam aqui, adiantados, alguns esclarecimentos.
O romance se passa no contexto da guerra civil norte-americana, a Guerra de Secessão, que eclodiu nos Estados Unidos entre 1861 e 1865. Essa guerra opôs as regiões do Norte e do Sul do país e teve como um de seus principais focos de conflito a questão da escravidão. Para muitos historiadores, ela também refletiu o desenvolvimento desigual das duas regiões: enquanto a sociedade nortista apoiava-se no predomínio da pequena propriedade, no trabalho livre e no desenvolvimento das manufaturas, a sulista mantinha-se apegada à agricultura de exportação, que buscava expandir, baseada no latifúndio e no emprego de mão-de-obra escrava.
Em 1860, Abrahan Lincoln elegeu-se presidente pelo Partido Republicano. Identificado com as posições abolicionistas moderadas, recebeu forte apoio dos representantes dos estados do Norte, mas foi repudiado pelos do Sul. O estado da Carolina do Sul decidiu então abandonar a União - ou seja, separar-se do resto do país, sendo seguida por outros seis estados que, juntos, formaram os Estados Confederados da América.
Em 12 de abril de 1861, tropas confederadas bombardearam o forte Sumter, na baía de Charleston, Carolina do Sul, que era guarnecido por tropas federais. Era o início da guerra.

Lincoln passou a defender um plano para derrotar os Estados Confederados e obrigá-los a se reintegrarem aos Estados Unidos: formaria um exército enorme e atacaria os rebeldes de todos os lados e ao mesmo tempo. Lincoln apostava que, mais cedo ou mais tarde, a superioridade numérica e econômica do Norte acabaria se impondo.
O pedido do presidente para que os estados fornecessem tropas para enfrentar os confederados acabou levando outros três estados a se declararem independentes da União, entre eles o estado da Virgínia. Àquela altura, ao todo onze estados declaravam-se separados da União: Virgínia, Carolina do Norte, Carolina do Sul, Geórgia, Flórida, Alabama, Mississippi, Louisiana, Arkansas, Texas e Tennessee.
A guerra foi arrastada e causou a devastação dos estados do Sul. Deixou um saldo impressionante de mortos: cerca de 624 mil, praticamente o mesmo número de vítimas fatais de todas as guerras das quais os Estados Unidos participaram até hoje. Terminou com a vitória do Norte.

Mais, só na aula...

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Sobre o estranhamento

Assisti recentemente Guerra ao Terror. Não costumo me empolgar com filmes vencedores de Oscar, mas fiquei curiosa em relação a esse. Queria conferir qual era a orientação política da diretora.
Talvez porque não esperasse muito de Guerra ao Terror, acabei me surpreendendo com ele. Não é, certamente, o filme da minha vida, mas há um elemento bastante curioso nele: a impossibilidade de compreensão de um inimigo cujos códigos de linguagem me são estranhos.
No filme, um grupo de soldados estadunidenses especializado em desarmar bombas vive momentos dramáticos de tensão no Iraque. O argumento favoreceria uma visão bem "bushiana" da presença norte-americana no país do Oriente Médio, mas não é o que acontece.
Assitimos boa parte da história pelos olhos dos soldados. A filmagem é feita como se fizessemos parte do grupo, como se compartilhássemos com os soldados seu ponto de vista. E é daí que decorre boa parte da tensão do filme, pois, no Iraque, nada é o que parece ser. A todo momento somos induzidos ao erro: não percebemos o perigo onde ele está e adivinhamos fantasmas onde não há o que ver.
Essa confusão toda é resultado apenas de nossa incompreensão do "outro". Não entendemos sua língua, seus gestos, seus olhares. Não somos minimamente capazes de interpretar seu mundo e seus valores. E numa situação dessas, fica difícil também saber o que "fazemos" (no plural, já que acabamos nos identificando com os soldados estadunidenses) nessa guerra. No fim, somos arrastados para ela por impulsos irrefletidos, por um vício pela ação. Não há, enfim, causa ou ideologia que justifique uma guerra contra aqueles a quem não entendemos e com quem não saberíamos sequer por onde iniciar o diálogo...
Assistam. É beeeem interessante e eletrizante!

domingo, 18 de abril de 2010

Cerimônia cristã etíope

Os primeiros anos do Ensino Médio começaram agora os estudos sobre História da África. Viram, em sala, que o lugar onde o cristianismo se difundiu há mais tempo foi a Etiópia. Ali, tornou-se religião do Estado no século IV, sob o rei Ezana, numa época em que boa parte da Europa ainda não se havia cristianizado. No final do século V, missionários ligados à Igreja copta ortodoxa de Alexandria (Egito) deixaram sua marca decisiva na região. E mesmo depois da penetração islâmica no continente, cerca de 40% da população etíope ainda é cristã ortodoxa e mantêm rituais e hinos cuja origem é muito antiga e adquiriram, desde sua difusão, carcaterísticas bastante particulares. O vídeo nos dá um pouco da ideia de como a cultura etíope e o cristianismo se combinaram de maneira original.

Muitos caminhos possíveis



Foi em 2001 ou 2002, não me lembro bem. Na ocasião o Thiago cursava a sétima série e era um aluno irriquieto, bagunceiro, às vezes até respondão. Ele dava trabalho, mas eu reconhecia nele uma inteligência criativa, vibrante, e achava que o menino teria futuro - mesmo não tendo o desempenho escolar de que era capaz. Eu fazia força para ter paciência com ele - não nego... Mas não conseguia não me encantar com o sorriso malandro e os olhinhos escuros, brilhantes, vivos daquele garotinho magricela.
Pois o Thiago cresceu e, com a banda que formou, vem fazendo um trabalho musical bem legal. O que prova que a escola é um caminho importante da formação do indivíduo, mas não é o único. Isso talvez relativize um pouco o poder que nós, professores, pensamos ter sobre o futuro de nossos pupilos. Mais: talvez nos faça pensar na razão de não conseguirmos sempre mobilizar todo esse potencial dos jovens em favor de seu crescimento pessoal...
Talvez as coisas fossem diferentes se também os estudantes, ao invés de negarem a escola, se posicionassem de maneira mais crítica e reflexiva em relação a ela, buscando participar de sua transformação e fazendo-a vir ao encontro de seus anseios e expectativas.
Dêem uma olhada no trabalho desse menino que foi, para mim, um desafio e, do jeito dele, me fez crescer muito como educadora. Vale a pena conferir! O som é mesmo muito bom!


sábado, 17 de abril de 2010

Um dedinho de prosa com os alunos



Sou descendente de educadores. Meu bisavô, René de Oliveira Barreto, foi um pedagogo de destaque no início do século XIX, assim como seu irmão, Arnaldo Barreto, autor da Cartilha Analytica.  Minha bisavó, Rita de Macedo Barreto (na foto ao lado), escrevia livros de alfabetização para crianças e foi com isso que sustentou com conforto um batalhão de filhos depois da morte prematura do marido.
Mas a coisa não pára por aí. Minha avó paterna também era educadora, como todas as irmãs dela e várias de suas sobrinhas. Lecionava Educação Física, numa época em que a área engatinhava, e foi professora catedrática da Universidade de São Paulo lá pela década de 1930, talvez um pouco depois.
Quanto ao meu pai, não era professor. Era pesquisador científico, especializado em micologia. Eventualmente dava aulas na pós da Faculdade de Agronomia Luiz de Queiróz (USP) e, quando eu me atrapalhava muito na escola, ensinava-me Biologia. Contudo, fazia isso com uma paixão enorme. Tinha jeito para a coisa...
Mas nada disso tinha significado para mim na época em que pensava na carreira que escolheria. Quando menina, jamais sonhei em me tornar professora. Nem ao menos conhecia bem esse histórico familiar e, ainda que tivesse ciência dele, certamente não teria a menor atração por um campo profissional tão desvalorizado. Alimentava outros projetos: seria desenhista, publicitária...
Já às vésperas do vestibular, mudei de ideia e decidi que seria historiadora, que convinha mais a meu jeito bicho-grilo de ser e minha orientação política à esquerda do espectro ideológico. Terminei a graduação na USP, fiz mestrado em História Social, publiquei minha tese. Tudo caminhava bem para o início de uma promissora carreira acadêmica. Todavia, alguma coisa foi maior do que meus planos e conspirou contra eles...
Comecei a dar aula unicamente para ter algum dinheiro com que me sustentar. Era uma atividade que deveria ter começo, meio e fim. Não pretendia prolongá-la. Muito pelo contrário, planejava fazê-la o mais breve possível para alçar logo outros vôos.
Mas, quando me dei conta, estava absolutamente encantada pela sala de aula. Ali não existia rotina. Todo dia eu encontrava uma situação nova que me arrancava do insuportável risco de viver presa ao tédio da mesmice, pois a sala de aula se assemelha a um grande organismo vivo, gelatinoso, flexível, que a cada dia respira em um ritmo diferente e muda de forma. Aquilo me estimulava e desafiava. Exigia reflexão, criatividade, disposição para fazer tudo novo a cada manhã.
No fim, contra todos meus planos e projetos, tornei-me professora, como minhas primas, minha avó e meus bisavôs. Hoje, não me imagino fazendo outra coisa. Por isso, acredito que o amor pela Educação deva ter um componente genético qualquer. Está no sangue. É uma força que se exerce de dentro para fora, maior do que qualquer razão que possa nos aconselhar a seguir outro caminho, onde a remuneração e o reconhecimento público sejam melhores.